sábado, 10 de dezembro de 2011

A BEIRA DA VIDA

Hoje finalmente fui até a farmácia. Tentei primeiro o delivery, mas eles disseram que remédios controlados não podem ser entregues por delivery. "Vc sabe, os motoboys não podem ficar circulando por aí com remédio controlado, regras do governo". Ok, mas nós, os que precisamos de remédios controlados, e só quem faz uso deles sabe a dificuldade que temos de ir até a farmácia, "podemos" ir buscá-los.

Enfim, farmácia cheia e poucas pessoas para atender. Sou empresária, entendo a impossibilidade empregatícia do sistema brasileiro. Mas irrita. Irritou tanto um velho Senhor que esse gritou para quem quisesse ouvir sua opinião sobre a incompetência da gerência. O clima ficou tão tenso que todos saíram da farmácia, e eu acabei sendo a única a ser atendida. Fui sim, muito bem atendida. Inclusive, como pede a flexibilidade brasileira, não pediram minha identidade para comprar os tais remédios controlados. Fiquei tão a vontade que acabei no setor perfumaria e surpreendentemente resolvi comprar uma balança. Daquelas transparentes, com design.

No caixa havia uma máquina solicitando a opinião do cliente sobre o atendimento. Sabendo eu que o atendimento foi ruim no início por causa da falta de funcionários e não por causa dos funcionários, preferi abster-me e a Farmácia nunca saberá minha opinião. Porque minha opinião é sistêmica, e não interessa ao sistema ouvir opiniões de igual pra igual.

Chego até com certa empolgação em casa, e começo a ler meu jornal. Hoje estavam falando de João Gilberto. Um jornalista alemão lançou livro no qual procurava aos modos detetive, o autor do obalala. Descobriu em suas buscas que JG um dia tivera esposa e amigos. Que JG gostara de frequentar a vista chinesa durante a noite. Que JG não sai de casa e não fala com mais do que 2 pessoas que o auxiliam. Teve como confidência de uma amigo de JG que se lhe fosse entregue um baseado, talvez JG lembrasse de tempos de outrora e se rendesse ao aparecimento. Que hj JG é um criador de obras-primas que serão ouvidas apenas pelas paredes. Não sabemos pelo jornal o que acontece no final do livro, mas sabemos que concomitantemente a noticia do livro tem noticia sobre os cancelamentos dos shows de JG pelo Brasil. O autor do livro sobre JG se matou em abril passado.

Tudo isso dito, tocava em meu aparelho de som uma música nova da Marisa Monte cuja letra é sobre a não vontade dela de sair de casa. Gosto muito de uma musica de Zeca Baleiro, sobre dias cinzas em São Paulo e desde sempre a carne ser triste e a vontade dele de ir em livrarias apenas pra tomar café, uma vez que cultura não traz sabedoria e é por ignorar que se cria, lalala. Assisti ao show da Adriano Calcanhoto na semana passada. Difícil sair de casa pra ela também.

E dá-lhe saúde mental. Beba moderadamente, não use drogas, faça exercícios, medite, tenha filhos, forme uma família. Mas o segundo remédio mais vendido do Brasil, depois da aspirina, continua sendo o rivotril. Ou seja, todos em busca de sentido para aquilo que a maioria dos maiores não acharam e deprimiram. E não me venham com Jesus Cristo, porque esse morreu aos 33, e se ele sabia que o que ele dizia iria lhe trazer a morte...#reflita.

Estou lendo a biografia do Steve Jobs. O cara é uma decepção constante. Zero reflexão, vivia de um complexo de rejeição que o fazia querer ser o mais e melhor do mundo. Mudar o mundo. Mas quanto mais leio o livro acho que ele não queria mudar o mundo no sentido da frase em que ele parafraseia Kerouac, mas num sentido bem prático de ser. Não deixo de aceitar que ele fez a conexão mais real até agora entre os homens e as máquinas e mais do que nunca as queremos inseridas em nós. Tenho meus medos de que ao não querer repetir Orwell permitindo que as ferramentas fossem de acesso a todos, ele deixou algumas reflexões importantes de lado, ou para uma próxima vida.

Hoje é aniversário de Clarice Lispector.

A verdade é que entendo se vc não quiser ficar. Eu, assim como parte dos descritos acima, temos claramente dificuldades com o querer ficar. Tento lembrar o tempo todo que o sentido é construído por nós. Tomo remédios controlados porque, em explicações psicanalíticas, tenho dificuldades em elaborar sentido para a vida.

Eu te invejo e pronto, falei. Não queria passar pelas dores que está passando, ainda que sinta que quando tive minha primeira depressão, a que me levou aos remédios, eu acho ter sentido o que vc sentiu. Eu quis me matar de dor. Tenho certeza que você nesse processo que está vivendo já pediu pra ser levada, de tanta dor.

MAS, como também canta uma outra música da Marisa, que também tocou no meu aparelho hoje, "VERDADE, SEU NOME É MENTIRA". E por isso, entendo que temos que ficar. Porque pode ser legal! Onde foi que nos perdemos e deixamos de sonhar com Paris? Onde foi que nos perdemos e deixamos de sonhar? Quem nasce de novo, é sim, pra fazer o que Jobs disse: não viver a vida dos outros. Convido-te a viver para os outros, no sentido de entender que o que nos motiva a ficar, são os afetos, que podemos trocar, independente de qualquer coisa, inclusive, da morte. Por isso, te convido a, nesse processo que só os que passaram pelo que passamos podem entender: viver a vida!

E se não der dessa vez, te espero em forma de sempre viva.

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